A transformação

Na Coluna Vertebral, o zumbi de estimação da casa Hunter, Romero, fala sobre sua transformação.

Dizem que zumbis não tem memória. Que seus cérebros foram dominados por seja lá o que for e que esqueceram de tudo o que são. Mas não é verdade. Algumas memórias muito marcantes permanecem e se tem algo que eu me lembro constantemente é da minha transformação.

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Começa com uma mordida, um arranhão mais profundo. Em seguida a carne em volta da ferida começa a escurecer e a cheirar muito mal. Você se sente bem no início, mas a febre começa a subir. A pele queima, mas por dentro você sente um frio se instalar em seus ossos, como se estivesse nu no inverno siberiano.

Delírios. Você começa a sentir cheiros que nunca sentiu, instintos que nunca pensou ter e uma fome animalesca o queima por dentro, consumindo cada pedaço de humanidade que você achava que tinha, até sentir que você não passa de um animal enjaulado querendo a liberdade.

E então a memória volta. Sua família, seus amigos, aqueles que choram ao lado da sua cama ao vê-lo morrendo sem poder fazer nada. Você pensa na tristeza de ter que deixá-los e na situação deprimente em que se encontra. A memória vai e volta. Ela parece brincar com o que resta da sua mente, para ver até onde você vai.

Tremores, calafrios, caibras de torcer seu corpo, até que você se sente caindo em um poço profundo e a luz da vida se distancia para um limiar ao qual você não mais pertence. As memórias se vão, exceto daqueles momentos importantes e marcantes: o nascimento do filho, a morte dos pais, quando você traiu sua esposa ou quando sacaneou um colega de trabalho, aquele momento em que você se formou na faculdade, ou quando foi assolado por uma tristeza profunda. Está tudo lá, você só não sabe de quem são essas memórias, pois o que você era morreu quando seu coração parou de bater. Tudo o que resta é a fome. A febre. O instinto...

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